Um Crossrail para Lisboa

Tomás Ribeiro
15 min readFeb 15, 2023

Em 2007, Londres embarcava numa enorme aventura que prometia revolucionar por completo o sistema de transportes da cidade: o Crossrail. Um ambicioso projeto que visava a criação de um novo eixo diametral de comboios suburbanos de alta frequência, atravessando todo o núcleo central da cidade, cruzando com várias linhas de Metro e comboio, e ligando de forma muito mais rápida e eficiente os subúrbios a Este e Oeste, bem como o Aeroporto de Heathrow. Falamos de um projeto com uma escala verdadeiramente colossal, inédita mesmo para uma das maiores redes metroferroviárias do planeta. A construção demorou 13 anos e o custo subiu pelo menos a uns astronómicos 19 mil milhões de libras (mais de 21 mil milhões de euros).

Boca de um dos túneis que compõem o projeto do Crossrail

Foi um projeto extremamente controverso, marcado por inúmeros atrasos e derrapagens orçamentais mas que marcou uma nova era dos transportes na Grande Londres e reforçou a importância crucial dos grandes eixos diametrais que atravessam toda a cidade.

Lisboa, neste aspeto, é uma cidade privilegiada. Tem o seu Crossrail construído há 135 anos. Inicialmente designada Linha de Circunvalação, hoje todos a conhecemos por Linha de Cintura. Um tronco comum de várias linhas suburbanas diametrais, que cruza alguns dos mais importantes eixos pesados da AML com a rede central do Metro. Atualmente a Linha de Cintura comporta serviços da Linha de Sintra, Linha da Azambuja e Fertagus, correspondentes a 3 dos grandes corredores de mobilidade da AML. No curto/médio prazo, também passará a ter ligações à Linha de Cascais (após o desnivelamento do nó de Alcântara) e à Linha do Sado (com a construção da TTT até Chelas). Desta forma, o núcleo central de Lisboa ficará conectado a todos os grandes corredores de mobilidade da área metropolitana. Bem… quase todos… porque ficará a faltar um dos mais importantes. O corredor Odivelas-Loures-Mafra.

Para simplificar, chamemos a este corredor, o corredor A8 (auto estrada que serve como principal via de comunicação deste eixo de mobilidade). Com exceção da Linha Amarela que termina em Odivelas, este corredor metropolitano sofre de uma oferta de transportes públicos cronicamente fraca, muitíssimo dependente do sistema rodoviário e sujeita às suas fortes condicionantes. A Linha do Oeste, que deveria atuar como um eixo estruturante da oferta, ainda percorre o seu penoso traçado original, afastado dos centros urbanos e anacronicamente dependente da Linha de Sintra onde entronca no Cacém (imaginem o que seria a Autoestrada do Oeste começar na ponta do IC19). Este traçado obsoleto não só inviabiliza a competitividade dos comboios regionais e de longo curso na Linha do Oeste como também impede que as zonas extremamente populosas de Odivelas, Loures, Mafra e Ericeira sejam bem servidas por comboios suburbanos.

Vista área da zona oriental de Odivelas e Loures, por onde passa a A8

Relembrar que nos últimos censos, Mafra registou um dos maiores crescimentos demográficos do país, sintoma da fuga da população de Lisboa para as periferias em busca de habitação mais barata e um ambiente mais pacato. No entanto, este crescimento populacional e urbano está a ser quase integralmente suportado pelo carro, numa lógica de suburbanização “americana” completamente ultrapassada e completamente insustentável. Urge corrigir estes brutais desequilíbrios no sistema de transportes e oferecer uma infraestrutura competitiva e fiável às populações deste corredor suburbano de Lisboa. Urge corrigir a Linha do Oeste.

O projeto de uma nova entrada da Linha do Oeste em Lisboa é antigo e já foi inclusive estudado pela IP. Também conhecida como “Variante da Malveira” (por se iniciar junto desta localidade), o projeto consistiria na construção de um novo troço de orientação N-S com uma inserção muito mais próxima de Lisboa, seguindo sensivelmente o corredor da A8 e passando em zonas como o Infantado, Loures e Frielas. No entanto a sua inserção final na capital tem sido alvo de debate.

Na sua versão mais pragmática, a Variante seguiria o Vale do Trancão até Sacavém entroncando na Linha do Norte um pouco antes da Gare do Oriente, seguindo os serviços suburbanos em direção à Linha de Cintura. Contudo, o PFN recentemente apresentado vem contestar esta visão, propondo uma solução muito mais ambiciosa e semelhante à lógica que sustentou o Crossrail em Londres.

Mapa da AML do PFN, com a nova variante da Linha do Oeste

O PFN propõe uma solução maioritariamente em túnel que cruze o núcleo central de Lisboa numa orientação N-S. Vinda da zona de Frielas a Variante entraria em túnel perto do Senhor Roubado prosseguindo diretamente para o Campo Grande, onde seria construído um interface com o Metro e o terminal rodoviário. O túnel seguiria então para Sete Rios onde além do interface com a Linha de Cintura e o terminal rodoviário, a linha emergiria à superfície para entroncar no Eixo ferroviário NS assegurando continuidade dos serviços para a Margem Sul e Setúbal via Ponte 25 de Abril.

Apesar de ser de louvar a apresentação de propostas ambiciosas que extravasem o âmbito dos “mínimos olímpicos” creio que existem algumas incoerências nesta proposta que merecem alguma reflexão.

Em primeiro lugar há que realçar que o alinhamento Campo Grande-Sete Rios, apesar da conexão de 2 importantes interfaces, não corresponde a um grande eixo de mobilidade real. A partir do Campo Grande, existem 2 grandes corredores de mobilidade, um que acompanha a 2ª circular e outro que acompanha o eixo central pelas Avenidas da República e Fontes Pereira de Melo até ao Marquês de Pombal, servido pela Linha Amarela do Metro (futura Linha circular). É ao longo deste eixo que se concentra a maioria da atividade económica da zona central da cidade, o Central Business District (CBD) de Lisboa. Por isso, realizar um investimento tão avultado numa infraestrutura em túnel num corredor que não corresponde a um eixo de mobilidade real, parece ser pouco avisado. Apontar diretamente a Sete Rios seria passar ao lado de grande parte dos polos geradores de procura do centro de Lisboa.

É importante salientar que a solução ideal também não seria replicar por completo o corredor servido pela Linha Amarela. Mas tendo apenas conexões com restante rede pesada da cidade no Campo Grande e Sete Rios, é impossível não achar que a integração dentro da rede poderia ser melhor executada, procurando mais pontos de interface e de elevada procura. As consequências deste novo eixo cruzar a restante rede pesada nestes 2 pontos seriam provavelmente uma sobrecarga da futura linha circular do Metro provocada pelo excesso de passageiros em transbordo no Campo Grande.

Perante estes problemas, mas mantendo a mesma ambição de realizar uma obra mais ambiciosa de elevado impacto em todo o sistema de transportes, proponho uma solução um pouco diferente, mais dispendiosa mas de maior potencial de captação de passageiros e que se integraria melhor na restante rede pesada da AML. Um verdadeiro novo Crossrail para Lisboa, que procure maximizar o número de interfaces servidos bem como levar a rede de suburbanos a zonas de fraca cobertura na cidade ou onde a cobertura excessivamente centrada no Metro, coloca esse sistema sobre grande pressão.

Mas comecemos por definir algumas prioridades e pontos assentes.

Em primeiro lugar, o verdadeiro núcleo de procura por movimentos pendulares em Lisboa está concentrado num eixo constituído pelo Campo Grande, Av. da República, Fontes Pereira de Melo e Marquês de Pombal, sendo também razoável considerar que se estende até às Amoreiras, zona de elevada concentração de escritórios, habitação, comércio e oferta hoteleira. É este o verdadeiro eixo central do CBD lisboeta e é este eixo que importa servir melhor até pela elevada pressão que exerce sobre a rede de Metro e o sistema rodoviário. É com este eixo que devem ser maximizados os interfaces, numa lógica de complementaridade com a rede do Metro, servindo percursos que ela não serve ou oferecendo um serviço “expresso” em alternativa à sobrecarregada Linha Amarela cuja densidade de paragens não se coaduna com um transporte usado para cobrir longas distâncias.

O segundo, e talvez mais importante, ponto crucial a assentar, relaciona-se com a centralidade e primazia do Marquês de Pombal enquanto centro da AML. O Marquês de Pombal não é só uma gigantesca praça onde se juntam vários eixos rodoviários importantes, é um dos mais importantes interfaces de transporte de toda a AML, que distribui passageiros ao longo de vários grandes corredores de mobilidade como o Eixo central, o eixo da Linha Azul do Metro ou o eixo definido pela A5 até Cascais e Oeiras. Se nos queremos mesmo “atirar” para um mega projeto ambicioso, é inevitável reforçar esta centralidade e a capacidade do interface do Marquês de Pombal como plataforma giratória das várias artérias da metrópole.

O terceiro, e final, ponto a definir prende-se com a integração do projeto na restante malha ferroviária da AML. Um projeto ambicioso como este não deve promover a criação de uma “linha ramal” isolada ou cuja única valência é ter uma estação terminal mais central. Tal projeto, como o Crossrail de Londres, deve procurar estabelecer eixos diametrais de escala metropolitana, evitando o términus dos serviços no centro da cidade e possibilitando a sua continuação para várias linhas e pontos mais periféricos da AML. Aliás, à semelhança da proposta presente no PFN, esta proposta deve permitir a criação de um grande eixo NS desde o a zona norte da AML até à Margem Sul e Setúbal.

Sem mais demoras, vamos então à proposta.

1ª Troço: Santa Clara — Campo Grande

Traçado do troço Santa Clara-Campo Grande

O primeiro troço corresponderia ao topo norte do túnel que atravessaria Lisboa. De forma a evitar a zona do Senhor Roubado por já estar mais ocupada com viadutos, propõe-se uma boca de túnel na zona de Olival Basto, perto da interceção da CRIL com a A8. A Linha, proveniente de Loures, atravessaria o vale e as várias AE em viaduto entrando imediatamente em túnel numa das escarpas menos ocupadas.

O túnel seguiria então para sudeste em direção à Alta de Lisboa, onde se poderia hipoteticamente construir uma estação junto ao Eixo Central, na zona da Rotunda dos Corvos. É importante notar que a Alta é um bairro em franco desenvolvimento urbano com ligações muito débeis ao centro da cidade e a necessidade do túnel da variante passar naquela zona, permitiria juntar o útil ao agradável e servir logo este importante bairro do norte da cidade.

Esquema da Estação Alta, debaixo do eixo central

A partir da Alta, o túnel seguiria para sudoeste, curvando até ao Campo Grande por debaixo do PMO II das Calvanas do Metro e da Quinta do Lambert.

A enorme densidade urbana da zona do Campo Grande apresenta grandes desafios de construção, não sendo facilmente identificáveis zonas onde se pudesse executar um estaleiro um poço de ataque para escavar o túnel. Tendo imperativamente de escolher um mal menor, o topo do jardim do Campo Grande aparenta ser o melhor compromisso para a escavação da estação, executando ali a ligação relativamente fácil à estação do Metro de Lisboa e ao terminal rodoviário. A grande ocupação do subsolo quer com caves, fundações de edifícios ou lençóis freáticos, provavelmente obrigaria à execução da estação a uma profundidade considerável.

Esquema da estação Campo Grande, já prevendo também um interface com a L.Vermelha do Metro

2ª Troço: Campo Grande — Entrecampos

Traçado do troço Campo Grande-Entrecampos

A partir da estação do Campo Grande, o túnel continuaria para sul, seguindo sensivelmente o jardim do Campo Grande até à zona da Biblioteca Nacional, onde curvaria ligeiramente para entrar no alinhamento da Avenida 5 de Outubro, passando por baixo do atual túnel da Linha Amarela. Seguindo sempre rigorosamente o alinhamento desta avenida, o interface de Entrecampos seria construído por baixo da Linha de Cintura e da estação atual, sendo que a menor ocupação urbana do lado sul da linha facilita a abertura de poços de ataque e escavações a céu aberto.

Esquema do interface de Entrecampos

Apesar do terreno da Antiga Feira Popular de Entrecampos estar atualmente desocupado, não foi considerado como viável para a implantação da estação uma vez que a sua urbanização já está a avançar e deverá estar concluída muito antes deste projeto poder avançar.

3ª Troço: Entrecampos — Marquês de Pombal

Traçado do Troço Entrecampos Marquês de Pombal

O terceiro troço segue um traçado muito simples, sempre alinhado com a Avenida 5 de Outubro até à zona da Maternidade Alfredo da Costa onde infletiria para sudoeste, seguindo a Rua Viriato. Note-se que ao longo deste troço, é necessário que o túnel comece a ganhar profundidade para poder ultrapassar alguns obstáculos no subsolo como fundações do edificado envolvente, caves e parques de estacionamento já existentes.

Finda a rua Viriato, o túnel começaria gradualmente a alinhar-se transversalmente ao Parque Eduardo VII, cruzando a Linha Azul do Metro e chegando àquela que seria talvez a joia da coroa de todo este projeto: a estação do Marquês de Pombal.

Construída potencialmente a céu aberto graças à amplitude do Parque Eduardo VII, esta estação permitiria criar um interface colossal no centro da AML, juntado dezenas de carreiras de autocarros urbanos e suburbanos e executando o interface com 2 linhas de metro pesado. Apesar da sua localização provavelmente exigir a demolição do atual parque de estacionamento subterrâneo do Parque Eduardo VII, a dimensão brutal deste projeto facilmente comportaria a compensação dessa perda com a construção de um novo parque subterrâneo adjacente à estação.

Corte transversal da estação Marquês de Pombal proposta

A maior dificuldade técnica prender-se-ia com a execução de uma interligação direta à estação de Metro, uma vez que o túnel do Marquês ocupa o subsolo no topo da rotunda. Contudo, tal ligação apesar de difícil não seria impossível de executar.

Associada à construção deste troço, também seria de estudar a construção de um términus para parqueamento de composições, já num alinhamento longitudinal ao parque e recorrendo a escavação em profundidade através de poços de ataque.

Esquema da Estação Marquês de Pombal

4ª Troço: Marquês de Pombal — Amoreiras — L. do Sul

Traçado do troço Marquês de Pombal-Amoreiras

O último troço do projeto seria talvez o de maior complexidade construtiva mas assume um papel vital na coesão de todo o projeto e na integração deste na malha ferroviária da AML.

A partir da estação Marquês de Pombal o túnel segue para Oeste seguindo sensivelmente o alinhamento da Avenida Joaquim António de Aguiar, mas a uma profundidade considerável de forma a evitar quaisquer conflitos no subsolo com o Túnel do Marquês e o edificado envolvente. Neste troço de túnel provavelmente será necessário adotar uma pendente um pouco mais agressiva de forma a evitar que a estação Amoreiras tenha de ser construída a enorme profundidade e para evitar conflitos com o túnel do Rossio na zona da Artilharia 1.

Nas Amoreiras seria construído um interface com a futura estação da Linha Vermelha do Metro, que deverá ficar a uma profundidade mais modesta, uma vez que será escavada a céu aberto. Os desafios técnicos de executar este interface seriam enormes pela profundidade a que o túnel teria de passar nesta zona. Contudo, é impossível não reconhecer o brutal potencial deste interface, conjugando Metro Pesado, elétricos e autocarros urbanos e suburbanos com o comboio, tudo numa zona de elevadíssima concentração de escritórios, comércio, habitação e oferta hoteleira.

Esquema da Estação Amoreiras (já com o traçado previsto para a Linha Vermelha)

A partir da estação das Amoreiras, prepara-se a conexão do túnel com a Linha do Sul na zona da Avenida de Ceuta. Pouco após a estação Amoreiras, o túnel de via dupla dividir-se-ia em 2 de via única. O túnel correspondente ao sentido Amoreiras-Alvito desembocaria junto ao inicio do viaduto sobre a Avenida de Ceuta da Linha do Sul, executando logo ali a sua conexão. Obviamente, este viaduto existente teria de sofrer alterações de forma a permitir esta conexão mas este tipo de obras de interligação de viadutos não apresentam desafios inultrapassáveis, aliás, o Metro de Lisboa encontra-se neste momento a desenvolver uma obra semelhante no Campo Grande, no âmbito da Linha Circular.

Devido à presença da ETAR de Alcântara, o 2º túnel (correspondente ao sentido Alvito-Amoreiras) não tem uma inserção tão simples na Linha do Sul. Seria necessário executar um viaduto de grandes dimensões que vencesse a linha de Cintura, a Linha do Sul, a ETAR e a Avenida de Ceuta (basicamente todo o vale de Alcântara) até perto da A2 onde então se executaria a conexão com a Linha do Sul antes da estação do Alvito. É impossível não reconhecer o impacto visual considerável deste viaduto mas tendo em conta o panorama nas redondezas, não se pode propriamente dizer que é o único viaduto causador de forte impacto no sistema de vistas do vale.

Mas porque a nossa ambição não termina aqui, e o planeamento de longo prazo assim o exige… há uma pequena surpresa neste troço. Podendo aproveitar o poço de extração da máquina tuneladora, entre os 2 túneis individuais seria feito um pequeno términus técnico, direcionado ao Monsanto de forma paralela ao Viaduto Duarte Pacheco. Este términus seria ali deixado em pousio caso um dia se decida avançar com uma terceira linha ocidental da AML, entre as de Sintra e Cascais, sensivelmente paralela ao corredor da A5 que está em franco desenvolvimento urbano.

Esquema das alterações propostas no Vale de Alcântara para amarração à L. do Sul

Métodos Construtivos

A grande extensão do túnel a executar e a necessidade de escavar em profundidade considerável muitas vezes sem a possibilidade de executar largos poços de ataque, canaliza-nos naturalmente para uma solução de escavação por tuneladora (TBM), tecnologia já largamente utilizada em Lisboa tanto em obras do Metro como do Plano Geral de Drenagem. A única exceção seria provavelmente o sub troço Amoreiras-L. do Sul uma vez que a divisão do túnel em 2 mais pequenos impossibilita o uso da TBM. Nesta situação, o mais provável seria a adoção de escavação em NATM (New Austrian Tunneling Method, ou método mineiro como é conhecida vulgarmente em Portugal).

Os túneis da Linha Circular do Metro estão a ser escavados com recurso a NATM

No que toca às estações, a permissividade com impactos à superfície e profundidade especificada determinariam o método construtivo a empenhar nalguns dos casos. Em casos como o Campo Grande ou Entrecampos em que a Linha não é forçada a passar em grande profundidade, seria proveitoso poder executar boa parte das estações a cut and cover. No caso do Marquês de Pombal, apesar do enorme espaço à superfície, o volume de terras muito considerável a mover pede uma avaliação mais detalhada da viabilidade do método cut and cover. Assumindo uma estação mais minimalista composta apenas pelas cavernas das plataformas e respetivos acessos, a construção em mina pode fazer mais sentido. Em estações como a Alta ou as Amoreiras não há quais quer dúvidas que a profundidade da linha e a malha urbana envolventes obrigam a uma escavação em mina.

Faseamento

Como é óbvio, falamos de um projeto de proporções bíblicas para a capacidade de investimento do país, o que obrigaria a um faseamento do mesmo.

Existem fundamentalmente 2 grandes opções no faseamento do projeto.

A primeira seria uma abordagem puramente Norte-Sul começando desde Santa Clara até ao Campo Grande (e idealmente logo até Entrecampos) continuando depois para o Marquês e Amoreiras, provavelmente repartindo também esses troços em diferentes fases.

A segunda abordagem seria um “meet me halfway” em que o projeto seria iniciado pelos troços 1 e 4, convergindo mais tarde os dois túneis em Entrecampos.

Independentemente da solução adotada, qualquer uma das opções permite ir resolvendo os constrangimentos de mobilidade metropolitana gradualmente, apontando para uma solução final de larga escala e grande impacto.

Conclusão

É óbvio que tudo isto parece fantasioso e delirante num país com uma capacidade de investimentos tão modesta. Mas a realidade é que o nível de planeamento que aqui se aplica nesta proposta, é meramente igual àquele que o Estado Novo empenhou no seu planeamento da rede ferroviária da AML (que incluia até uma 2a cintura ferroviária para termo de comparação).

Pode ser apenas uma ideia maluca mas a realidade é que faz muita falta este tipo de planeamento ambicioso, transformador, disruptivo e de larga escala. Mesmo não concordando muito com a proposta feita pelo PFN para esta nova entrada da Linha do Oeste em Lisboa, a verdade é que fiquei muito satisfeito de ver que ainda há quem pense no longo prazo, de forma mais disruptiva na nossa rede. Que compreenda a fundo a importância brutal de estabelecer estes grandes eixos suburbanos diametrais.

Imaginem o que seria Lisboa se Loures estivesse a 20 minutos do Marquês de Pombal. Se Setúbal e a Margem Sul tivessem uma ligação direta ao centro da cidade, alternativa à Linha de Cintura e a transbordos para uma rede de Metro já de si carregada.

Vivemos num país que pensou de forma disruptiva e transformadora na sua rede rodoviária. Em 30 anos, enchemos o país de vias de altas prestações. Fizemos a ponte mais comprida da Europa e espetamos-lhe com uma feijoada em cima. Fizemos túneis de 5 km que todos julgavam impossíveis. Fizemos o 2º viaduto mais alto da Europa. Caramba, somos o país que fez metade da pista de um Aeroporto a pairar 40 metros por cima do mar. Podemos estar a passar um momento difícil, mais derrotista, e não ver grande luz ao fundo do túnel. Mas olhamos para o nosso passado recente e vemos que somos capazes de coisas brutais quando há a determinação política e social para que as coisas avancem.

Não podemos é baixar os braços. Há que lutar por mais e melhor. E pararmos de nos conformar com o pouco que temos.

Tomás Ribeiro

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Tomás Ribeiro

Estudante de Arquitetura no Instituto Superior Técnico, escrevo sobre transportes e infraestruturas