Santarém? A sério?
Bem… nem acredito que aqui estamos outra vez nisto… mas vai ter de ser…
Recentemente, veio a público um suposto estudo desenvolvido por um grupo de investidores privados, nos quais se incluía Humberto Pedrosa do Grupo Barraqueiro, que aprofundava a possibilidade de construir um Aeroporto Complementar de Lisboa em… Santarém.
Se o caro leitor já se está a rir, então está livre para ir, acho que nem precisa de ler o resto do artigo. Se está intrigado com a proposta, fique por aqui.
À primeira vista, é compreensível como é que a ideia de um aeroporto complementar em Santarém possa já parecer pouco absurda. É uma zona plana, com boas acessibilidades ferroviárias (Linha do Norte) e rodoviárias (A1). Além disso, não tem um clima particularmente agreste nem registos propriamente desfavoráveis de vento e nevoeiros.
“Então qual é o problema afinal de contas?” pergunta o caro leitor. Bem… o problema é tudo o resto.
Tal como já tinha abordado no meu artigo sobre o Aeroporto de Beja, estas ideias de meter aeroportos complementares longe de Lisboa, estão completamente condenadas logo à partida por uma questão muito simples. É que a esmagadora maioria dos passageiros não está disposta a fazer dezenas ou centenas de quilómetros para apanhar um voo quando tem um aeroporto muito maior e com mais oferta a 15 minutos do centro de Lisboa.
Logo isto mata qualquer ideia de instalar um complementar em distâncias desta ordem de grandeza. Há que relembrar que até para o Aeroporto do Montijo estava a ser difícil convencer algumas companhias low cost. A Portela é simplesmente demasiado central e competitiva para permitir que um aeroporto pequeno, muito longe de Lisboa, tenha algum potencial. Tão simples quanto isto.
Aliás, note que quando se estudou a localização para um aeroporto complementar de Lisboa, as opções mais “distantes” do centro da AML, eram Sintra (BA1) e Alverca. Não foi porque se esqueceram do resto. Foi porque a ANA (e o Governo, esperemos) têm perfeita consciência de que é impossível um aeroporto complementar longe de Lisboa conseguir absorver tráfego considerável.
Este é o problema estrutural que mata logo a ideia pela raiz. Mas se estiver com paciência, até podemos começar a enumerar outros.
A ligação ferroviária via Linha do Norte, por exemplo. Mesmo assumindo que o Estado (ou o investidor privado) pagaria a construção de uma variante à linha para que esta passasse junto ao aeroporto, como é que planeiam operar shuttles de alta frequência na linha mais saturada do país? Nem a construção da LAV Lisboa-Porto conseguiria aliviar a linha do Norte para permitir a adição de tantos serviços a “fazer piscinas” entre Lisboa e Santarém. Pelo que seria provavelmente inevitável, aumentar a capacidade da Linha do Norte (mais um fardo para o Estado). E a que preço ficariam os bilhetes para pagar esta operação de alta frequência numa distância tão considerável?
E mesmo nos acessos rodoviários, Santarém não é um mar de rosas. Sim a A1 já lá passa, mas a A1 já é dos acessos mais congestionados a Lisboa com notórios engarrafamentos em hora de ponta. Problema que nunca existiu num aeroporto na Margem Sul, tanto pela Ponte Vasco da Gama estar a operar muito abaixo da capacidade máxima prevista, como pela inevitável construção da Terceira Travessia do Tejo no curto/médio prazo.
Depois de tudo isto o caro leitor deve estar a pensar: “mas porque é que alguém se deu ao trabalho de perder tempo e dinheiro com uma ideia tão problemática?”.
A isso não lhe sei responder. Talvez pela discussão do aeroporto de Lisboa já estar num patamar de tal forma disparatado e alucinante, que qualquer proposta num raio de 1000km de Lisboa já parece razoável. Talvez por alguém ter particular interesse naquela região, mandando o barro à parede a ver se cola.
Não lhe sei responder. Mas fique atento, que pelo andar da carruagem daqui a 2 meses, estarei por cá a explicar porque é que o Aeródromo de Bragança não pode ser o novo aeroporto de Lisboa se for feita uma ligação em teletransporte.
É com muita tristeza que vejo uma discussão profundamente técnica, arrastada para o pior lamaçal político desta forma. A ridicularização de um tema muito sério e do qual o país parece já ter desistido de encontrar uma solução razoável. Perdemos tempo a falar de tudo exceto aquilo que realmente interessa. Poupem-nos.
Tomás Ribeiro