Onde montar a tenda (do circo) do novo Aeroporto

Tomás Ribeiro
4 min readJul 12, 2022

Pelo título já devem estar a adivinhar que este artigo, não será propriamente brando. E sim, já estou tão farto desta novela como todos os restantes 10 milhões de portugueses que há 30 anos têm de assistir a este penoso fandango político em torno do Novo Aeroporto de Lisboa.

As últimas semanas foram agitadas. Tudo começou com um anúncio de surpresa do Ministério das Infraestruturas que antecipava uma espécie de decisão tomada pelo Governo. Decisão da qual absolutamente ninguém estava à espera e que caiu completamente de paraquedas na comunicação social.

A decisão, explicada de forma sucinta, rejeitava a AAE adjudicada a um consórcio da COBA com a Ineco e avançava de cabeça para uma solução: no curto prazo avançar rapidamente para um aeroporto complementar no Montijo e obras mais reduzidas na Portela, prometendo, quando essa solução se esgotasse, o encerramento desses 2 aeroportos passando tudo para um NAL “stand alone” no Campo de Tiro de Alcochete.

Solução essa, baseada numa suposta alta probabilidade do chumbo ambiental a um projeto de grande ampliação da Portela ou à construção de um novo aeroporto principal no Montijo. (essa elevada probabilidade são meras palavras do governo, não minhas).

Em primeiro lugar, não há explicação razoável possível para o governo deitar para o lixo uma AAE já adjudicada a um consórcio que ganhou o concurso de forma totalmente legal e legítima. É puro atropelo político dos tramites.

A justificação da desistência dessa AAE (e consequente passagem dela para a responsabilidade do LNEC) estava alicerçada numa (desculpem o termo) teoria da conspiração que se propagava pela AR em que este consórcio da COBA+Ineco não teria imparcialidade para estudar o tema (porque a Ineco é do estado espanhol que tem interesses em defender o hub de Madrid).

Sobre essa teoria da conspiração, a minha reação mais imediata é rir-me. Primeiro o facto de nós estarmos a duvidar de uma empresa com ampla experiência no ramo aeroportuário aliada a uma das maiores consultoras de engenharia de Portugal, e segundo, por alguém achar seriamente que nós somos uma ameaça para os Espanhóis ao ponto de eles nos tentarem tramar com uma AAE tendenciosa. Peço desculpa mas é mesmo o riso que me surge. Achar que Lisboa está em condições de fazer grande concorrência a Madrid é de uma ingenuidade quase adorável. Daquela que se espera mais de crianças.

Portanto, do absoluto nada, essa adjudicação seria mandada para o lixo, saltando à frente toda uma série de passos e avançando para uma solução imediata. (níveis de transparência democrática nos píncaros)

Depois, é preciso saber ler nas entrelinhas para se perceber o que realmente se estava a propor ali. Que não era nada mais nada menos que avançar com o complementar no Montijo praticamente nos mesmos moldes com que se planeava desde 2017 (ou desde o governo de Passos Coelho, de forma menos oficial). Alcochete, naquela proposta, seria algo a executar apenas quando a combinação Portela+Montijo estivesse completamente esgotada. Ou seja, é uma adereço no meio de tudo isto. Aquilo que tivemos, foi uma tentativa tosca de tentar saltar alguns passos no processo para avançar rapidamente para a opção que estava mais preparada para arrancar. Uma manobra estranha, provavelmente motivada por uma vontade considerável de mostrar obra feita e capacidade de resolver a longa novela do aeroporto.

Como se este enredo já não nos bastasse, passado umas horas (sim horas) e já depois do Ministro ter ido dar várias entrevistas e esclarecimentos à televisão, o PM decide puxar o tapete. Não sei quem tem a culpa nisto tudo, nem vou estar aqui a perder tempo com quezílias partidárias, deixo só o comentário do aspeto verdadeiramente terceiro mundista que este decide e anula decisão tiveram. Algo digno de um estado de desgoverno total e particularmente impensável em maioria absoluta num país europeu desenvolvido.

E onde estamos agora? Adorava ter uma resposta para vos dar, mas não tenho. Porque desde a anulação daquele despacho pelo PM e resultante crise política, não se soube praticamente mais nada. Ninguém sabe. Estamos num vazio em branco à espera que alguém nos diga alguma coisa. Que como todos sabemos é sempre excelente num processo de decisão que se arrasta desde 1969.

No meio disto tudo tivemos os habituais delírios sobre aeroportos complementares a centenas de quilómetros de Lisboa sobre os quais nem vale a pena gastar aqui mais latim.

E tivemos ainda o PSD, partido cuja posição sobre esta matéria, supostamente era de extrema importância e que deveria ser ouvido. Nada contra, concordo plenamente que grandes investimentos infraestruturais precisam de amplos consensos partidários. Algo que o PSD estava decidido a não dar. É certo que o PSD foi apanhado no meio disto tudo em plena transição de liderança mas a posição do partido foi marcada por uma infantilidade pura, de quem se nega a dizer que sim ou que não só para lucrar do caos.

Nada de novo num partido que não tem visão para infraestruturas desde o ministro “Betoneira” do Amaral nos anos 90. Mas particularmente degradante tendo em conta que foi durante um governo PSD que se desenhou o contrato de privatização/concessão da ANA no qual estavam previstos os trâmites legais para se avançar com o novo aeroporto. O PSD limpa as mãos e fica simplesmente a contemplar o caos, um excelente serviço à nação sem dúvida.

Termino este artigo com um pequeno desabafo.

Quando estamos a escolher uma infraestrutura aeroportuária, a classe política tem 3 grandes trabalhos a cumprir. Lançar concursos, assinar contratos e cortar fitas. De resto, convém deixar o circo à porta e parar de usar uma infraestrutura importantíssima como arma de arremesso apresentando um espetáculo verdadeiramente degradante ao país.

Tomás Ribeiro

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Tomás Ribeiro

Estudante de Arquitetura no Instituto Superior Técnico, escrevo sobre transportes e infraestruturas