Novos elétricos da Carris para a Linha 15E

O Metro Ligeiro na AML: uma revolução na mobilidade?

Tomás Ribeiro
7 min readAug 14, 2021

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Ao contrário da AMP que desde o início do século beneficia de uma extensa rede de Metro Ligeiro em rápido crescimento e consolidação, a AML tem sofrido ao longo das décadas com o avançar vagaroso (e dispendioso) da sua rede de metro pesado.

O elevado custo de expansão de um sistema de metro pesado (e a elevada procura que é necessária para o justificar) têm sido uma âncora que o Metro de Lisboa arrasta há décadas. Face a uma malha urbana em rápida expansão, e agravada por investimentos públicos fortemente centrados na mobilidade automóvel durante os anos 90 e 2000, a AML tem hoje de viver com uma rede de metro relativamente pequena e pouco abrangente que não serve grande parte da cidade de Lisboa e da sua periferia.

A atual rede de Metro pesado, além de ter uma densidade relativamente baixa, não serve enormes zonas da cidade de Lisboa e da sua coroa e possui poucas correspondências entre as suas 4 linhas, resultando numa rede em que as pontas acabam por se tornar muito periféricas e isoladas.

Atual rede do Metro de Lisboa

Apesar de pouco abordada, esta questão da tipologia de Metro em si é absolutamente central quando falamos dos severos problemas da rede de transportes da AML.

Lisboa vive há décadas sem um compromisso intermédio entre o simples autocarro (um meio com baixa capacidade) e o metro pesado (o meio de transporte urbano com maior capacidade de todos). Lisboa vive uma contradição: por um lado, tem dentro do concelho e na sua periferia, diversas zonas onde não existe procura consistente para justificar Metro pesado, mas ao mesmo tempo, são zonas já bastante consolidadas e movimentadas que sobrecarregam a sua oferta de autocarros.

Nos últimos anos, ainda que de forma relativamente subtil, temos assistido a um enfrentar desta realidade e a uma certa mudança nas decisões políticas desta matéria (em parte impulsionada, infelizmente, pela falta de capacidade de investimento do país). Gradualmente, temos assistido a aumento do interesse em projetos de Metro ligeiro de superfície.

O Metro do Porto é na verdade um metro ligeiro

O Metro ligeiro de superfície, apesar de ter uma capacidade mais reduzida que o “clássico” Metro pesado enterrado, tem algumas vantagens:

  • É muitíssimo mais barato de expandir;
  • É mais flexível no que toca à criação de ramificações e agregação de serviços diferentes em troncos comuns (como vemos no Metro do Porto em que diversas linhas partem de um tronco comum);
  • Requer material circulante mais barato
  • Promove a requalificação urbana das zonas por onde passa (por se desenvolver maioritariamente à superfície)

Até agora, implementar este tipo de transporte na AML parece uma ideia excelente, mas há questão fundamental a responder primeiro: como é que esta rede se articula e interliga com a atual rede de Metro pesado lisboeta?

A resposta a esta pergunta não é fácil, nem muito satisfatória temo.

Perante as inúmeras vantagens do Metro ligeiro, já bastante visíveis em cidades como o Porto, alguns dos caros leitores estarão a pensar: “e porque não converter toda a rede existente a este tipo de sistema?”. Apesar das óbvias vantagens de se ter um sistema único com muito menos transbordos, em Lisboa simplesmente não seria viável convertermos a nossa rede a uma espécie de Metro do Porto.

É seriamente questionável que a rede tivesse capacidade para absorver toda a procura em hora de ponta nos principais eixos da cidade, mesmo assumindo uma melhor frequência de serviços. Além disso, há toda uma série de entraves técnicos que tornariam mais complexa a operação/conversão de tal sistema:

  • Na rede atual do ML os comboios têm de ser alimentados via 3º carril uma vez que os tuneis tem um gabarito reduzido, à superfície por razões de segurança e custo, é preferível ter catenária
  • Na rede atual do ML a bitola é standard (1435 mm) enquanto que as linhas de elétrico da Carris à superfície são de 900 mm dificultando o aproveitamento de troços já construídos ao nível da rua
  • Na rede atual do ML as plataformas são elevadas ao contrário do que é mais comum em sistemas de metro ligeiro como o Metro do Porto em que as plataformas são baixas (basicamente um degrau), o que obrigaria a construir estações à superfície mais caras e difíceis de integrar no meio urbano.

Atenção, todos estes constrangimentos não tornariam completamente impossível uma hipotética migração de sistema mas dificultariam muito essa mudança exigindo também a troca de todo o material circulante pesado atual e a compra de novo ligeiro com especificações bastante peculiares.

Ora, se não é viável termos uma rede única de Metro Ligeiro, então vamos ter de lidar com o problema crónico de termos basicamente 2 redes distintas.

Existem essencialmente duas maneiras de estruturar uma rede de transportes constituída por 2 tipologias de metropolitano:

  • A primeira consiste em empregar o metro ligeiro apenas em linhas mais periféricas que descarregam nas linhas de Metro pesado
Linha de Metro Ligeiro a Laranja
  • A segunda consiste em ter uma malha mais densa em que as linhas de Metro ligeiro que servem alguns eixos da periferia “perfuram” até ao centro da cidade interligando-se com o sistema de metro pesado como se de uma linha normal se tratasse
Linha de Metro Ligeiro a laranja

Ambas as “filosofias” já foram implementadas em diversas capitais europeias com casos de sucesso.

No entanto, tendo em conta que a AML dispõe de uma excelente rede rodoviária e que os diversos polos de emprego, serviços e habitação estão a uma distância considerável entre si, é francamente difícil que uma linha de metro ligeiro extremamente periférica com poucas amarrações à rede de metro pesado tenha sucesso. É uma combinação de maus fatores: a velocidade mais reduzida do Metro ligeiro combinada com a necessidade de efetuar transbordos para a rede de Metro pesado e a distância elevada ao centro de Lisboa.

Vejamos exemplos concretos. Comparemos 2 projetos distintos de Metro ligeiro previstos para a zona de Lisboa: a Linha Odivelas-Loures e o LIOS.

A Linha Odivelas-Loures é uma linha em U que se desenvolve desde o Hospital Beatriz Ângelo até ao Infantado passando pela Ramada, Odivelas, Santo António dos Cavaleiros e Loures. Esta linha tem apenas um único interface com a restante rede de Metro, a estação de Odivelas na ponta da Linha Amarela e não terá disponível qualquer ligação à rede ferroviária.

Metro Ligeiro Loures-Odivelas

A partir de 2024, devido à criação da Linha Circular, a Linha Amarela tornar-se-á ainda mais periférica uma vez que perderá o acesso direto ao centro de Lisboa. Isto significa que um passageiro oriundo de Loures, teria de fazer pelo menos 2 transbordos para chegar a zonas como a Alameda ou o Saldanha, e 3 transbordos caso queira chegar a uma estação das Linhas Azul ou Vermelha com tempos de viagem muito pouco competitivos com o transporte rodoviário.

O LIOS por sua vez é um projeto que consiste em 2 grandes braços unidos pelo corredor do atual elétrico 15: um braço oriental no eixo Sacavém-Portela-Parque das Nações-Beato-Santa Apolónia e um ocidental a servir o eixo Alcântara-Ajuda-Alto do Restelo-Miraflores-Linda-a-Velha-Jamor.

Braço Ocidental do LIOS Cruz Quebrada-Alcântara
Braço Oriental do LIOS Santa Apolónia-Sacavém

Esta grande linha terá conexões com a Linha Vermelha em Alcântara e Oriente, com a Linha Verde no Cais do Sodré e com a Linha Azul no Terreiro do Paço e Santa Apolónia. Além disso, terá ainda interfaces com os comboios suburbanos (e de longo curso) na Cruz Quebrada, Alcântara-Terra, Santos, Cais do Sodré, Santa Apolónia e Gare do Oriente.

Creio que o caro leitor já notou aqui uma diferença considerável, a linha que penetra até ao centro da cidade permitirá não só servir novas zonas que não dispõem de TP pesado como ainda distribuir esses passageiros por inúmeros interfaces diferentes. Enquanto que a Linha mais periférica, apesar de ter alguma utilidade por servir um corredor com muitos movimentos pendulares, sofrerá de um grande isolamento em relação à restante rede, tendo por isso, um potencial muito mais reduzido.

E com isto, chego à minha tese:

O Metro Ligeiro é uma boa solução de mobilidade para diversos eixos da AML que não dispõem de TP estruturante e que não conseguem justificar o enorme investimento do Metro pesado tratando-se de um bom compromisso em termos de custo e capacidade.

Contudo, na coroa em redor de Lisboa, tendo em conta a impossibilidade de ter um sistema de metropolitano uno, é de evitar a construção de linhas de metro ligeiro em zonas mais periféricas devido à sua tendência a tornarem-se apêndices desconexos da restante rede Metro-ferroviária. Se queremos optar, e bem, por este tipo de sistema mais flexível e menos dispendioso, é imperativo que as linhas perfurem até zonas mais centrais da cidade tendo diversos pontos de conexão com a rede de Metro pesado e com a rede ferroviária suburbana. Só assim podermos criar uma rede funcional e competitiva que sirva de verdadeira alternativa ao transporte individual.

Tomás Ribeiro

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Tomás Ribeiro
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Written by Tomás Ribeiro

Estudante de Arquitetura no Instituto Superior Técnico, escrevo sobre transportes e infraestruturas

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