O “Arco Norte” do Metro de Lisboa
O Metro foi uma revolução na cidade de Lisboa. Revolucionou a forma como nos deslocamos mas acima de tudo revolucionou a forma como se pensa a cidade e o seu crescimento.
Contudo, a rede atual apresenta ainda algumas lacunas e deficiências que precisam de ser colmatadas. É necessário expandir mas também consolidar a rede de metro pesado (que, tal como expliquei noutro artigo, não deverá crescer muito mais do que a sua dimensão atual).
Uma das maiores lacunas de toda a rede de transportes públicos de Lisboa, prende-se com a inexistência de transporte pesado num dos seus eixos mais congestionados: a 2ª Circular.
Não que o Metro não chegue à 2ª circular, pelo contrário, cruza esta artéria 4 vezes, mas ainda assim não existe nenhuma linha que se desenvolva de forma paralela a esta congestionada via estruturante da cidade.
O eixo definido pela 2ª circular (e pela Avenida de Berlim) concentra em si:
- 3 dos grandes interfaces de transporte da cidade (Colégio Militar, Campo Grande e Gare do Oriente)
- 2 enormes zonas habitacionais com elevada densidade (Benfica e Telheiras)
- Os 2 maiores centros comerciais da cidade (Colombo e Vasco da Gama)
- Os 2 maiores estádios da cidade e do país (Estádio da Luz e Estádio de Alvalade)
- 3 importantes centros de escritórios (a zona da Expo, as Torres do Colombo e o Campo Grande
- O Aeroporto de Lisboa que processou, em 2019, 31 milhões de passageiros
- Vários equipamentos culturais (Altice Arena, Oceanário de Lisboa, Pavilhão do Conhecimento) e de eventos (FIL)
Acho que se tornou percetível o porquê de este ser um eixo de elevadíssima procura na cidade. Se queremos diminuir o congestionamento rodoviário na 2ª circular e nas suas zonas adjacentes, é fundamental que o Metro de Lisboa sirva este eixo com uma das suas linhas.
Mas passemos então ao que interessa: qual das Linhas seria a mais indicada para servir este eixo? A resposta é bastante óbvia: a Linha Vermelha, uma vez que já liga a Gare do Oriente ao Aeroporto de forma praticamente paralela à Avenida de Berlim, tendo o seu términus a apontar na direção do Campo Grande. Esta linha já atua como transversal às restantes linhas no centro da cidade (na Alameda, Saldanha e S. Sebastião) estando em desenvolvimento o projeto do seu prolongamento a Alcântara (incluído no PRR) concluindo dessa forma um “arco sul” da rede de metro pesado. É por isso natural que agora esta linha desenvolva um “arco norte” à cidade.
Decidida a linha a expandir, vamos agora analisar as diferentes opções em cima da mesa para concretizar este “arco norte”. Existem sensivelmente 3 grandes cenários possíveis que vamos chamar “Entrecampos”, “Lumiar” e “Campo Grande”.
Cenário “Entrecampos”
Este cenário consiste uma expansão da Linha Vermelha entre o Aeroporto e o Colégio Militar em que a Linha Vermelha intercetaria a Linha Circular (Verde) em 2 pontos: Alvalade e Entrecampos (com possível estação na Avenida do Brasil)
Depois de Entrecampos, a linha infletiria para Norte passando pelo lado Oeste do Hospital Santa Maria, pela Quinta dos Barros e pelas Torres de Lisboa, até cruzar a 2ª Circular e rumar ao Colégio Militar/Luz e Benfica.
Vantagens:
- Solução sem complexidades técnicas de maior
- Permite ligar rapidamente a estação de Entrecampos ao Aeroporto (resultando num acesso facilitado a este por parte dos passageiros da Linha de Sintra e da Fertagus, que não precisariam de ir à Gare do Oriente)
- Encurta dramaticamente o tempo de viagem na rede de Metro, desde as Avenidas Novas até ao Aeroporto evitando a volta enorme que a Linha Vermelha atualmente tem de dar
- Permitiria servir a zona das Torres de Lisboa/Quinta dos Barros (zona de elevada densidade habitacional e de escritórios)
Desvantagens
- Não serve o importante interface do Campo Grande
- Não serve Telheiras de forma eficaz (a possível estação mais próxima ficaria apenas nas Torres de Lisboa)
- Não permite ter uma correspondência com a Linha Amarela, agravando o isolamento dela após a conclusão da Linha Circular
- Não tem praticamente qualquer utilidade para a zona Norte da cidade
- Extensão considerável de túnel a executar (cerca de 8,5km entre o Aeroporto e o Colégio Militar) com custos elevados associados
O cenário Entrecampos, apesar de apresentar algumas vantagens, foca-se excessivamente na redução do tempo de viagem entre o Aeroporto e o centro da cidade (Avenidas Novas), não servindo pontos chave de procura como o Campo Grande e Telheiras e obrigando a construir um troço muito considerável em túnel (que provavelmente teria de ser dividido em 2 fases). Não se apresenta, por isso, como uma opção interessante para a criação de um arco norte.
Cenário “Lumiar”
Este cenário analisa a hipótese de, logo após a estação Aeroporto, a Linha Vermelha infletir para norte passando debaixo do Aeroporto Humberto Delgado para servir a Alta de Lisboa, cruzando-se depois com a Linha Amarela na estação do Lumiar. A partir daí a linha infletiria para Sul tendo estações na Quinta do Pisany, Rotunda de S. Francisco (onde se poderia estabelecer correspondência com outra linha vinda de Telheiras) e Largo da Luz (apesar da utilidade desta estação ser discutível dada a proximidade com Carnide), antes de chegar ao Colégio Militar e Benfica.
Vantagens
- Permite servir praticamente toda a zona norte da cidade de Lisboa com transporte pesado
- Permite ligar aquele que um dia será dos maiores bairros de Lisboa (Alta) à rede de Metro (ainda que não ligasse ao centro da cidade de forma direta)
- Permite que a Linha Amarela continue a ter ligação direta à Linha Vermelha após a conclusão da circular
- Solução sem complexidades técnicas de maior (talvez atravessar o Aeroporto sem causar danos à superfície, especialmente na pista)
Desvantagens
- Não serve o Campo Grande e uma parte considerável de Telheiras
- Solução dispendiosa (provavelmente a dividir por várias fases) devido à grande extensão de túnel a construir (cerca de 7 km entre o Aeroporto e o Colégio Militar)
- É discutível que zonas como a Quinta do Pisany tenham procura para justificar metro pesado (especialmente se este não oferecer ligação direta ao centro da cidade)
- Com a Linha Amarela encurtada até ao Campo Grande pela Linha Circular esta solução não permitiria encurtar significativamente o tempo de viagem entre o centro da cidade e o Aeroporto (porque um passageiro oriundo da a Linha Circular teria de efetuar 2 transbordos para chegar ao Aeroporto, no Campo Grande e Lumiar)
Em suma, o cenário Lumiar apresenta-se como uma alternativa interessante para servir o norte da cidade mas não consegue resolver o importante problema do tempo de viagem para o Aeroporto e não serve importantes polos geradores de procura.
Cenário “Campo Grande”
Este é o cenário talvez “mais simples”. Após a estação Aeroporto, a Linha Vermelha segue diretamente para o Campo Grande onde teria interface com as Linhas Verde e Amarela seguindo depois para a atual estação de Telheiras (que passaria a fazer parte desta linha).
Depois desta estação, a linha segue o alinhamento da Rua Fernando Namora e da Alameda Roentgen até uma nova estação na rotunda de S. Francisco destinada a servir a zona ocidental de Telheiras e o centro de escritórios LISPOLIS. A partir dessa estação, um pequeno ramal técnico ligaria a linha ao PMO III da Pontinha, e a linha principal infletiria numa grande curva para Sul rumo à atual estação do Colégio Militar e depois, Benfica.
Vantagens
- É a única opção que serve todas as zonas e grandes polos geradores de procura identificados neste eixo
- Custo mais baixo por aproveitar infraestrutura já construída como a estação de Telheiras e o seu términus e por obrigar a construir um percurso em túnel mais reduzido
- Tempo de viagem mais reduzido entre as pontas do eixo derivado de ter menos estações e percorrer um trajeto mais curto e direto
- Permite reduzir o tempo de viagem entre o centro da cidade (Linha Circular) e o Aeroporto
- Também permite que a Linha Amarela continue conectada à Vermelha
Desvantagens
- Solução tecnicamente um pouco mais complexa pela questão do nó do Campo Grande (que iriei abordar mais à frente)
- Coloca bastante pressão no interface do Campo Grande
O que podemos concluir destes 3 cenários? As opções Lumiar e Entrecampos apresentam algumas vantagens mas que dificilmente compensam os problemas que acarretam. A solução Campo Grande, apresenta-se como a mais equilibrada e o melhor compromisso para se conseguir construir um Arco Norte da rede.
Esta solução pode ser dividia, sensivelmente, em 2 grandes obras: o prolongamento Aeroporto-Campo Grande e o prolongamento Telheiras-Benfica.
Ora é precisamente o primeiro desses troços que apresenta as maiores dificuldades técnicas para a sua execução pela forma como a estação do Campo Grande foi construída à superfície. Além de estar rodeada pelos viadutos de acesso à estação e ao PMO II das Calvanas, a estação encontra-se numa zona urbana bastante consolidada e será flanqueada dos 2 lados por edifícios de escritórios. Inserir a Linha Vermelha nesta estação de forma a que ela possa seguir depois para Telheiras sem tornar a estação completamente disfuncional é algo complexo.
Tendo em conta que será necessário assegurar plena interligação entre as Linhas Circular e Amarela (para permitir, por exemplo, a injeção de comboios vindos de Odivelas na circular ou mesmo um dia desfazer a circular), não é possível alterar a disposição das plataformas da atual estação Campo Grande. Por isso, será necessário construir um 3º cais para a Linha Vermelha.
Esse cais, teria de ser construído à superfície uma vez que a entrada do túnel de Telheiras fica a uma cota mais elevada. Como a atual estação ficará flanqueada dos lados Norte e Sul pelo edifício da NOS e o seu gémeo, o cais da Vermelha teria de ser construído junto ao viaduto da 2ª circular com um passadiço de ligação à estação existente.
Para ligar esse novo cais à entrada do túnel de Telheiras, seria necessário construir um novo viaduto sobre a Avenida Padre Cruz (o viaduto de ligação Linha Amarela-Telheiras, construído no âmbito da linha circular, seria usado como termino/ramal técnico entre linhas).
Entre o Campo Grande e o Aeroporto seria necessário construir um viaduto paralelo e em cota semelhante à 2ª circular. Esse viaduto terminaria na entrada do túnel do Aeroporto, a localizar perto da atual estação de serviço seguindo depois para a atual estação do Humberto Delgado.
No que toca ao troço Telheiras-Benfica, não existem grandes constrangimentos técnicos (nada que já não tenha sido feito pelo metro em expansões anteriores). A estação São Francisco pode ser escavada quase a céu aberto devido ao espaço disponível à superfície na zona da Rotunda. A estação Colégio Militar II pode ser escavada também a céu aberto no alinhamento da Avenida do Colégio Militar, entre o Colombo e a 2ª circular. A estação Benfica, poderia ter 2 localizações, uma junto ao mercado num ponto mais central do bairro, ou na estação da CP da Linha de Sintra (que apesar de permitir criar um interface comboio-metro é muito menos central). Para efeitos práticos, ilustrei a opção da estação da CP.
O Arco Norte do Metro seria sem dúvida um dos maiores game changers da mobilidade na cidade de Lisboa. Servindo um eixo de enorme procura, descongestionando a 2ª circular e o centro da cidade, é uma obra pela qual vale a pena lutar e esperar. É fundamental que tanto o Governo como a CML reconheçam a importância da implementação de transporte pesado ao longo de todo este eixo e não procurem simplesmente a solução tecnicamente mais fácil ou com custos mais reduzidos no imediato, que infelizmente, tem sido a regra nos últimos anos. É também imperativo delinear um plano a longo prazo para a rede do Metro de Lisboa e dos restantes transportes pesados da AML para impedir que se continue a navegar à vista, sem grande rumo, lançando ideias ao sabor do vento (ou neste caso, ao sabor do financiamento disponível).