O Aeroporto de Beja: é alternativa a Lisboa?
O artigo de hoje é dedicado a esclarecer e desmistificar uma ideia que se tem tornado popular no grande público em Portugal: a ideia de que o Aeroporto de Beja seria facilmente um aeroporto complementar a Lisboa.
Mas primeiro, convém explicar, o que é exatamente o Aeroporto de Beja?
Ao longo dos anos, tem-se gerado o “mito urbano” de que em Beja foi construído um grande aeroporto que está ao abandono há vários anos por mera incompetência política e falta de visão. Bem, isso simplesmente não corresponde à verdade.
O Aeroporto de Beja é um pequeno complexo aeroportuário adjacente à Base Aérea Nº11 com a qual partilha as duas pistas existentes. É, para todos os efeitos, um pequeníssimo terminal de baixa capacidade com uma placa de estacionamento de aviões adjacente. Este Aeroporto não está fechado ou ao abandono, aliás está aberto a receber voos, simplesmente nenhuma companhia tem uma operação regular lá por falta de interesse e viabilidade económica. O Aeroporto é atualmente usado maioritariamente para estacionamento de longa duração de aeronaves, normalmente chamado “storage” na indústria da aviação.
É também comum vermos pessoas a falar deste Aeroporto como se tivesse tratado de um grande investimento do Estado que deve ser rentabilizado rapidamente. Isto, como já devem estar a imaginar pelo parágrafo anterior, também não corresponde minimamente à realidade.
O Aeroporto de Beja teve um custo de construção de 33 milhões de euros, o que, tendo em conta os valores habituais de construção de um aeroporto, é aquilo a que se costuma chamar “migalhas”. Para termo de comparação, todo o plano de expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa (expansão da Portela + Montijo) estava orçado em 1 300 milhões de euros. Foram 33 milhões de euros gastos numa “tentativa” de dinamizar o turismo no Alentejo que correu mal.
Espanha também tem longo historial de casos muito semelhantes. Construía-se um pequeno terminal adjacente a uma base aérea e logo se via no que dava… muitos deles acabaram com o mesmo destino de Beja e alguns com faturas muito maiores para pagar. Mas os Espanhóis aprenderam a lição, e perceberam que não valia a pena gastar mais dinheiro num “saco roto”. Aceitaram o custo perdido, e seguiram em frente.
Mas agora que esclarecemos melhor o que é realmente o Aeroporto de Beja, vamos então passar ao tema central deste artigo.
A questão das questões que deita por terra qualquer tentativa de usar Beja como complementar é a seguinte: quem é que vai fazer 1 hora e meia de viagem entre Lisboa e Beja para apanhar um avião… se tem um Aeroporto disponível no meio de Lisboa? Vamos explicar melhor…
Ao contrário do que muitos possam pensar, não, não é só uma questão de quanto tempo demora a percorrer a distância entre Lisboa e Beja. A distância só pode ser mitigada pelos transportes até certo ponto e sempre com a devida passagem dos custos a ela associada para o utilizador ou para o Estado. Seja para pagar as vias de comunicação ou a operação deficitária de serviços nelas.
O Aeroporto de Beja está a cerca de 170 km do centro de Lisboa por via rodoviária, sendo o percurso mais rápido feito em 1h 45 minutos. Não existe na Europa (e atrevo-me a dizer, no mundo inteiro) nenhuma grande cidade que tenha um aeroporto complementar a 170 km de distância e quase 2 horas de viagem do seu centro. Por e simplesmente não existe.
Concluir a A26, poucas melhorias traria. Mesmo que se sentisse alguma redução no tempo de viagem, a distância continuaria a ser elevada.
Por via ferroviária o Aeroporto também não seria mais acessível. Nem falo da infraestrutura atualmente existente uma vez que essa nem está eletrificada nem tem serviços com ligação direta a Lisboa. Mas mesmo agarrando no estudo da IP sobre a ligação ferroviária ao Aeroporto de Beja/Modernização do acesso ferroviário a Beja, o cenário é negro. Na melhor das hipóteses, e dependendo de um investimento a rondar os 120 milhões de euros (quase 4 vezes o que custou o aeroporto em si) seria possível fazer Lisboa-Aeroporto de Beja em cerca de 1 hora e 30 minutos utilizando vários troços a 200 km/h.
E mesmo que tal fosse possível, sem uma Terceira Travessia do Tejo é impossível assegurar um serviço ferroviário com a frequência adequada para o que exige a operação de um shuttle aeroportuário. A Ponte 25 de Abril e a Linha de Cintura não têm capacidade para isso. Mesmo com nova Ponte, a viagem continuaria a demorar cerca de 1 hora desde uma estação em Lisboa até ao aeroporto. Não esquecer de adicionar o tempo desde a origem/destino final até essa estação.
Mas mesmo que por milagre alguém achasse tudo isto razoável, há a elementar questão da operação dos serviços ferroviários. Porque estamos a falar de um micro aeroporto, que pela sua pequena capacidade e grande distância a Lisboa, nunca seria capaz de gerar muito movimento. Aí impõe-se a pergunta: “então como que raio vamos encher comboios entre Lisboa e o Aeroporto de Beja?”. A resposta é simples: não vão. Teríamos comboios com baixíssima lotação a fazer piscinas de quase 200 km com frequências elevadas (porque sem frequências elevadas o comboio não serviria mesmo para nada). Sim, como já deve estar a imaginar, isto simplesmente traduzir-se-ia ou num custo financeiro brutal para o Estado ou para os utilizadores do comboio. E voltamos à mesma questão… se o bilhete for caro e o aeroporto for longe… quem é que vem?
Aí o caro leitor pode responder “porque o voo a partir de Beja seria mais barato graças às taxas aeroportuárias muito baixas lá”. E concedo, de facto seriam mais baratos. Mas então acrescento depois: “e o custo de deslocação entre a AML e Beja?”. É que convém incluir esse valor no custo total, já nem falando do enorme inconveniente que é fazer uma longa viagem de e para o Aeroporto em si, especialmente para turistas que vêm em visitas de curta duração.
Aliás, grande parte do tráfego que tem sobrecarregado o Aeroporto de Lisboa está relacionado precisamente com turismo mais low cost de curta duração (o chamado turismo de fim de semana que teve um boom com o aparecimento das companhias low cost na Europa). Para esses turistas, que sentido faz perderem 1 hora e meia de tempo e gastarem talvez perto de 30/40 euros só na viagem de e para o Aeroporto se têm uma alternativa em Lisboa a 15 minutos do centro de Metro?
Mesmo tentar olhar para Beja como uma alternativa ao Aeroporto de Faro não faz sentido uma vez que este Aeroporto nem está esgotado e tem plena capacidade expansão se tal for necessário.
Em suma, como o caro leitor já deve ter percebido, a ideia de usar o Aeroporto de Beja como complementar a Lisboa não faz o mínimo sentido e não passa de uma ideia sem nexo alimentada ao longo do tempo pelo grande público baseada em alguns mitos urbanos em relação ao que realmente foi construído na Base Aérea Nº11.
Mas o grande público em si não é responsável por isso. Os responsáveis políticos, nomeadamente autarcas da região do Alentejo, alimentaram durante anos a ideia completamente descabida de que o Aeroporto de Beja, localizado na região mais desertificada do país a 170 km de Lisboa, poderia ter um grande potencial para tráfego de passageiros. A realidade por e simplesmente não corresponde a vagas promessas eleitorais de “dinamização da região”.
Quero eu com isto dizer que o Aeroporto de Beja é inútil? Não! Pelo contrário, o Aeroporto de Beja tem bastante potencial ao nível da manutenção de aeronaves e storage. Tanto é que a HiFly construiu recentemente um hangar de manutenção em Beja, local que já utilizava para parquear os seus aviões em alturas de menor procura. Beja não tem muito movimento militar, tem muito espaço para expandir a sua placa de estacionamento, uma pista que pode receber todos os tipos de aviões e pode oferecer taxas baixas, é a receita perfeita para o sucesso. Ao mesmo tempo, criaria emprego qualificado na região.
Há que saber agarrar esta oportunidade e esquecer os constantes devaneios em potenciar tráfego de passageiros neste aeroporto. Beja tem potencial, simplesmente precisa de se centrar no potencial certo!
Tomás Ribeiro