A próxima legislatura em Transportes: muito para fazer, decisões para tomar.

Tomás Ribeiro
11 min readJan 25, 2022
Último plenário da AR antes da dissolução

O OE chumbou e Portugal vai a eleições. Não vale a pena fazer considerações sobre o que ficou para trás, o que poderia ser feito diferente ou o que nos levou a isto. Não vale a pena chorar mais sobre leite derramado. O que é facto é que no dia 30 de Janeiro de 2022 o país vai escolher uma nova composição da Assembleia da República, da qual resultará, com mais ou menos esforço, um novo Governo, que, se tudo correr bem, deverá governar até 2026.

Serão 4 anos absolutamente críticos para o país, não só pelos desafios que enfrentamos ao nível das alterações climáticas ou da recuperação pós pandemia. Serão também uma oportunidade para virar o rumo do país que nos últimos 20 anos pouco progrediu. Será um período muito desafiante para o setor dos transportes também, e por isso, achei pertinente falar um pouco sobre os principais desafios que o próximo governo terá de enfrentar.

Tutela e Organização do setor

Distribuição ministerial: é fundamental que seja revista a distribuição do setor dos transportes pelas diversas pastas ministeriais na próxima legislatura. O atual modelo de separar o transporte urbano (M do Ambiente) do transporte interurbano e internacional (M das Infraestruturas) tem-se provado ineficiente e uma fonte de descoordenação constante que prejudica o adequado planeamento da rede de transportes. Também não se deverá regressar ao modelo de excessiva aglomeração de pastas como aconteceu no governo de PPC com os transportes a serem colocados sob a alçada do Ministério da Economia, que claramente não dispõe dos meios nem o tempo necessários para refletir adequadamente sobre matérias mais específicas do setor.

Dadas as circunstâncias, a criação de um ministério das Infraestruturas e Transportes, exclusivamente dedicado ao setor afigura-se como a decisão mais sensata.

Organização da IP (Infraestruturas de Portugal): Em 2015 foi tomada a decisão, algo inesperada de fundir as Estradas de Portugal e a REFER numa só grande empresa publica, a IP. Passados 5 anos, os resultados positivos desta fusão são muito difíceis de enumerar. A dificuldade extrema em lançar e executar projetos ferroviários, as opções técnicas questionáveis aplicadas em algumas deles, o desleixo no que toca a questões como a manutenção de algumas linhas e a ausência crónica de sistemas de segurança nos veículos da IP acaba por nos levar a 2 possíveis conclusões: ou algo de muito errado se passa na forma como a empresa é gerida, ou a fusão do alcatrão com o carril acabou por ser prejudicial para o 2º.

Apesar do Ministro PNS assegurar que este modelo se destina a que as concessões e portagens rodoviárias revertam facilmente a favor da ferrovia, é difícil arranjar outros argumentos para sustentar este modelo de gestão. Além de que nada impede que o dinheiro proveniente da rodovia sirva para financiar projetos na ferrovia mesmo sendo 2 empresas diferentes a geri-las. O que parece haver é um medo extremo de que a partir do momento em que o dinheiro saia da rodovia para o Estado central (Finanças) este dificilmente chegue à ferrovia. Isto não é um problema interno do setor dos transportes, é incapacidade de coordenação do Governo e a aceitação do Ministério das Finanças como uma espécie de buraco negro onde o dinheiro entra mas nunca sai.

O próximo governo deve, no mínimo, reavaliar se esta fusão contínua a fazer sentido e pensar seriamente na organização do setor ferroviário para as próximas décadas, visto que são decisivas para o renascimento e crescimento do setor. E caso se admita que a fusão continua a fazer sentido, tirar as devidas ilações da gestão que a empresa tem tido.

Ferrovia

Consenso e execução da AV: a construção da Linha de Alta Velocidade Lisboa-Porto, projeto absolutamente fundamental e transformador no panorama nacional não deve nem pode ser alvo de mais discussão. Independentemente da sua cor partidária, é crucial que o próximo executivo entenda a dimensão deste projeto e do seu valor acrescentado fazendo todos os esforços para que os projetos sejam rapidamente aprovados e se possa iniciar a fase de obra já no ano de 2024.

Execução atempada do Ferrovia 2020: a rápida execução dos projetos do Ferrovia 2020 até ao fim de 2023 terá de ser uma prioridade absoluta visto que não podemos correr o risco de perder o financiamento comunitário de ainda mais projetos por incumprimento dos prazos estabelecidos. Todos os projetos que tiverem de ser transitados (e alguns já o foram) para o PT2030 resultarão numa disrupção desse QFP e possivelmente em problemas de financiamento para outros projetos nele incluídos.

Obras na Nova Linha Évora-Elvas

Mais ambição nas modernizações a efetuar: um dos problemas muito presentes no programa Ferrovia 2020 era a abundância de projetos pouco ambiciosos que não contemplavam grandes correções de traçado nas diversas linhas a intervir. Essa falta de ambição traduz-se numa oportunidade perdida de reforçar fortemente a competitividade do transporte ferroviário de passageiros no nosso país. É fundamental que o PNI2030 quebre definitivamente com este registo além de ponderar também, a reorganização de algumas partes da rede, por exemplo, a colocação de Évora e Beja no mesmo corredor ferroviário.

Prioridade para as ligações a Aeroportos: é fundamental que o PNI2030 não se quede apenas por meros estudos, é preciso avançar e já com os acessos ferroviários ao Aeroporto Sá Carneiro e de Faro (ficando Lisboa de fora para já devido ao processo de decisão sobre o novo aeroporto). O acesso ferroviário ao Aeroporto da Invicta deve também contemplar a duplicação e modernização profunda da Linha de Leixões, e o acesso ao Aeroporto Algarvio deve contemplar o acesso de ferrovia pesada, inclusive de mercadorias e não apenas de veículos ligeiros tipo tram-train.

Aeroporto de Faro

Clarificação do PNI2030, o que é que pode realmente avançar: um dos detalhes importantes para a próxima legislatura será também a clarificação e decisão final sobre os projetos a financiar pelo quadro PT2030. Apesar do PNI2030 já ter sido alvo de maior escrutínio, ainda é difícil entender que projetos terão de ficar pelo caminho e que projetos podem de facto avançar. Esta clarificação é essencial para o planeamento da rede a longo prazo, aliás, será também o próximo executivo a executar a discussão final do Plano Ferroviário Nacional.

Maior financiamento da ferrovia no PT2030: dada a enorme importância da aposta na ferrovia durante a próxima década e dado o nosso enorme atraso nesta matéria face aos restantes parceiros europeus, o próximo executivo também deveria, numa possível revisão do PT2030, tentar aumentar ainda mais o financiamento deste setor por fundos comunitários. A inclusão, por exemplo, da Terceira Travessia do Tejo, nos investimentos dos próximos anos seria um avanço notável.

Transporte Urbano Pesado

Menos Metrobuses, Mais Metros Ligeiros

Nos últimos anos em Portugal, temos assistido a um estranho fenómeno que consiste em transformar antigos projetos de ferrovia ligeira em linhas de BRT ou Metrobus com o objetivo de reduzir custos de implementação.

Tal fenómeno deve ser travado a todo o custo e revertido pelo próximo executivo. Não podemos ceder constantemente ao facilitismo de procurar a solução mais “low cost” disponível e dar o problema como resolvido. Os BRT não são equivalentes a um sistema de ferrovia ligeira. São mais baratos de implementar mas têm uma capacidade menor (para o mesmo número de frequências) e são muito menos eficientes em termos energéticos, especialmente se aplicados com autocarros a baterias em vez de trolley buses (como se está a fazer e mal no Metrobus do Mondego). Além das questões de conforto e muitas vezes de velocidade claro.

Atenção, isto não invalida que pontualmente se recorra a soluções de BRT em cidades de menor dimensão, mas se queremos um planeamento sério e uma rede de transportes públicos atrativa e competitiva, é preciso largar de vez esta ideia descabida de que um Metrobus pode ser vendido como um metro ligeiro mais barato.

Há que por termo a estes downgrades constantes feitos com o único propósito de reduzir custos e assim permitir acudir a mais situações. Foi precisamente esse um dos maiores erros do Ferrovia 2020, tentando ir a todo o lado, acabou por se traduzir em intervenções pouco ambiciosas e de baixo impacto.

O SMM resultou do downgrade do antigo Metro Ligeiro do Mondego

Planeamento a longo prazo e ambição nas expansões dos Metros

É fundamental que o próximo executivo tome a iniciativa de promover (um pouco como está a ser feito no PFN) um plano de longo prazo para as redes de Metro de Lisboa e Porto. É insustentável continuarmos num registo de ideias soltas feitas ao sabor do financiamento disponível e da evolução lenta das redes.

O Metro do Porto, por se tratar de um metro ligeiro que é mais barato de construir, devia registar uma expansão considerável da sua rede já esta década. Avançar com a 2ª fase da Linha Rosa e avançar com a construção da Linha do Souto até Gondomar são praticamente requisitos mínimos a esta altura do campeonato (e claro, a execução da 2ª linha de Gaia prevista no PRR).

Em Lisboa a situação é ainda mais complicada uma vez que a polémica Linha circular veio romper por completo com muitas das ideias anteriores que existiam para a expansão da rede. A expansão da Linha Vermelha para Alcântara não é suficiente, aliás, esse importante prolongamento já devia ter sido feito na década passada. Apesar da aposta muito necessária em Metros ligeiros complementares é fundamental perceber que a rede de Metro pesada está longe de estar concluída e ainda apresenta enormes falhas e lacunas, nomeadamente nas zonas norte e ocidental da cidade.

Há que enterrar de vez o caótico e eleitoralista PER 2009 dos tempos do governo Sócrates e criar um novo plano de expansão da rede, ambicioso mas estruturado e realista. Que não consista em partir todas as linhas em ramais numa tentativa tosca de chegar a todo o lado e não se resuma a uma ou outra expansão e um abandono quase total do metro pesado.

Prolongamento da Linha Vermelha a Alcântara

Mais corredores BUS nas AE das áreas metropolitanas

O período de grande crescimento das redes rodoviárias metropolitanas registado nos anos 90 e 2000 teve consequências severas no desenvolvimento urbano e na rede de transportes públicos das nossas cidades. A promoção de um urbanismo disperso super dependente do transporte individual e a perseguição de uma utopia em que as cidades teriam espaço infinito para acomodar mais carros, custou-nos anos preciosos e muito financiamento comunitário.

Agora, resta-nos pelo menos tentar corrigir parte da asneira e aproveitar as grandes AE e vias rápidas que se construíram durante esse período para melhorar os TP. A implementação de corredores BUS, traduz-se num investimento muito reduzido mas de elevado retorno e impacto socioeconómico. O caso mais óbvio e mais falado, é a implementação de um corredor BUS na A5 de forma a facilitar o acesso em TP desde o interior dos concelhos de Oeiras e Cascais a Lisboa, nomeadamente aos vários parques de escritórios que foram surgindo neste eixo. Um autocarro preso no meio do trânsito não retira quota ao automóvel.

Rodovia

Execução rápida do PRR: apesar da clara pressa em despejar projetos rodoviários (alguns deles com custos modestos perfeitamente comportáveis no OE) no PRR, é importante que seja assegurada a rápida execução destes projetos em particular os missing links uma vez que podem ainda produzir um efeito macroeconómico considerável.

Renovação e restruturação das frotas rodoviárias: é crucial que Portugal acelere rapidamente a renovação das diversas frotas de autocarros que asseguram o transporte urbano e de proximidade por todo o país. Atualmente as nossas frotas são ainda demasiado dependentes do diesel e apresentam-se pouco flexíveis às necessidades do território. Apesar da inevitável aposta transitória em motores menos poluentes a gás natural, a introdução de novas soluções elétricas e a hidrogénio tem de ser a prioridade clara. Também é preciso repensar até que ponto não faria maior sentido uma aposta em mini buses a operar com melhores frequências nas zonas menos densas do país, de forma a evitar uma operação ineficiente e pouco flexível com autocarros sobredimensionados para as necessidades.

Novos autocarros 100% elétricos Caetano BUS para a Carris

Decisão estratégica sobre o futuro da concessão das Travessias do Tejo: apesar da concessão da Lusoponte só terminar em 2030, o próximo governo deverá começar a planear que caminho deve ser tomado após essa data e, acima de tudo, a forma como uma nova concessão pode ajudar a financiar a Terceira Travessia.

Praça de Portagens da Ponte 25 de Abril

Estudo da implementação de catenária em AE em Portugal: este novo modelo já em implementação na Alemanha, poderá ser uma aposta ganha para um futuro com um setor de mercadorias mais descarbonizado. Dados os custos ambientais associados à produção de enormes baterias para camiões e financeiros na implementação de uma extensa rede de carregamento, a instalação de catenárias nas AE em Portugal deve ser estudada em profundidade e até implementada pelo menos num projeto piloto. Tendo em conta que temos uma extensa rede de AE de elevada qualidade e sem descurar o investimento na ferrovia, esta tecnologia já antiga poderá significar um salto de gigante na descarbonização do transporte rodoviário em Portugal. A sua implementação em autocarros, também merece ser estudada.

Na Autobahn alemã, esta solução já está em fase de implementação

Aviação

Futuro da TAP: O próximo governo receberá esta batata quente nas mãos. O interesse de companhias como a gigante Lufthansa na TAP é conhecido há já vários anos e até agora o Estado português não tem fechado a porta a uma possível venda, que seria talvez, a melhor opção possível porque liberta o Estado do risco financeiro associado à empresa mantendo a mesma em funcionamento mas inserida num grupo com verdadeira capacidade de investimento. Uma coisa é certa, não podemos continuar num registo em que despejamos dinheiro na TAP ad eternum só com uma vaga esperança de o rever um dia.

2 Airbus A330-Neo da TAP em Lisboa

Decisão “final” sobre o Novo Aeroporto de Lisboa: em 2023, já dentro da próxima legislatura teremos os resultados da Avaliação Ambiental Estratégica que irá comparar as 3 principais alternativas para a expansão da capacidade aeroportuária em Lisboa. Caberá a esse próximo Governo, a missão de acordar e contratualizar os detalhes de todo o processo de expansão com a ANA, assegurando que o interesse público é preservado. Também caberá ao executivo tentar promover um clima de paz e consenso político em torno da solução que for eleita como a mais vantajosa pela AAE. O país por e simplesmente não tem tempo (nem a paciência) para que esta discussão se prolongue mais. A recuperação do setor da aviação está em marcha e em breve o Aeroporto da Portela voltará a dar sinais de saturação, é preciso agir e depressa.

O caótico Terminal 1 do Aeroporto Humberto Delgado

Considerações Finais

A próxima legislatura será, sem dúvida, um momento fundamental para a rede de transportes portuguesa. O país tem de romper de vez com um ciclo de investimento desequilibrado na rodovia e começar a fortalecer consideravelmente a sua rede metro ferroviária. Só assim podemos almejar cumprir as metas de descarbonização a que nos propomos e só assim o país poderá ter finalmente uma rede de transportes coesa e funcional que promova o crescimento económico e aumente a qualidade vida dos portugueses. Sem parentes pobres do investimento, com frieza mas ambição, é possível dar a volta à situação difícil em que nos encontramos e continuar o importante caminho de infraestruturação do país que começámos com a adesão à CEE em 1986.

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Tomás Ribeiro

Estudante de Arquitetura no Instituto Superior Técnico, escrevo sobre transportes e infraestruturas